Contos

Memórias de um passado fragmentado

Uma experiência marcante na minha vida, de muito tempo atrás, é do tempo de escola, mais especificamente no primário. Costumava voltar para casa com os óculos quebrados. É, um colega sempre me importunava no recreio e às vezes isso tinha como consequência a quebra dos meus óculos. Um dia, minha Mãe pediu ao meu Tio para conversar comigo, na tentativa de resolver esse problema. Porém existe uma lacuna em minha memória. Não tenho a clara lembrança do conteúdo dessa conversa. Somente fragmentos.

No primeiro fragmento que me veio à cabeça, meu Tio disse: “sempre existirão pessoas que sentem um prazer imenso em chatear, magoar, perseguir os outros, muitas vezes sem motivo algum, mas a melhor maneira de enfrentá-las é demonstrando que suas ofensas ou ameaças não surtem efeito, não abalam nossa auto-estima, não nos intimidam. Devemos buscar uma postura pacífica, porém firme, sempre. Cabeça erguida, olho no olho, isso sim mete medo nesse tipo de gente”.

Um segundo fragmento foi: “Marcelo, não sei o que realmente anda acontecendo na escola com esse colega, mas quero que ouça um conselho de seu tio. Durante o resto da sua vida, você dificilmente terá pessoas que irão te defender, por isso, você precisa aprender a fazer isso sozinho. Não precisa usar a violência, apenas aprenda a impor respeito. Minha mãe me dizia que palavras podem ser muito mais poderosas do que a violência, e geralmente fazem mais efeito. Esse seu amigo é um covarde, que para aumentar a própria auto-estima precisa humilhar os outros, no fundo, ele tem medo e se sente ameaçado por você. Porque não tenta da próxima vez, falar tudo isso a ele, em alto e bom som?”.

Depois me vieram fragmentos engraçados, como: “Marcelo, meu querido, escute o que vou te contar. Sempre que alguém quiser tirar proveito de você, cometer algum tipo de injustiça, ou usar força bruta pra se impor, lembre-se que você é muito rápido! Corre, e pernas pra que te quero!” e “Marcelo vamos ao oculista e ele vai te receitar lentes de contato”.

E por último, o mais maluco desses fragmentos: “Não junte os cacos dos óculos, quiçá a fragmentação de passado, presente, futuro, destino, antepassado, metafuturo, universo paralelo, arrependimento, buraco-de-minhoca. Menos ainda esse conselho. Sempre será fragmentado e você é pequeno demais para perceber. O contrário é o que temos hoje”.

Enfim, o importante é que após essa conversa nunca mais voltei com os meus óculos quebrados. Não me tornei nenhum “brigão” na escola, não inverti os papeis com esse colega, mas aprendi a me colocar frente às outras pessoas. Foi uma lição muito importante na minha vida.


Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Foto de Photo Collections no Pexels