Astronomia

Sistema Solar: história dos modelos de formação

1. Introdução

A extensão e a idade do cosmos estão além da compreensão normal humana. Perdido em algum lugar entre a imensidão e a eternidade fica o minúsculo planeta que é o nosso lar. Numa perspectiva cósmica, a maioria das preocupações humanas parece ser insignificante, até mesmo mesquinha. Porém, nossa espécie é jovem e curiosa e valente e demonstra ser muito promissora. Nos últimos poucos milênios fizemos as mais espantosas e inesperadas descobertas sobre o cosmos e nosso lugar nele, em explorações de tirar o fôlego. Elas nos fazem lembrar que os humanos evoluíram se fazendo perguntas, que a compreensão é uma alegria, que o conhecimento é um pré-requisito para a sobrevivência. Acredito que nosso futuro depende de quão bem vamos conhecer esse cosmos, no flutuamos como um grão de poeira no céu matinal. (SAGAN, 2017, p. 30)

Como diz Sagan, somos seres curiosos, que questionamos tudo o que acontece ao nosso redor, temos uma atitude filosófica inata: “O que é?”, “Por que é?”, “Como é?”.

E é com essa atitude questionadora que, desde a pré-história até os dias de hoje, nos perguntamos: como o Universo foi formado? Principalmente, como a nossa vizinhança, o nosso Sistema Solar, foi formado? Como esse sistema, composto por um Sol, planetas, satélites, asteroides, cometas e toda sua organização específica foram formados?

O presente artigo busca apresentar uma breve história dos modelos ou teorias que foram desenvolvidos ao longo da história humana, principalmente na história recente, onde procuraram responder a questão da formação do nosso Sistema Solar.

2. Formação do Sistema Solar

Não há, até o momento, uma teoria cosmogônica inteiramente satisfatória; todas elas contêm elementos sujeitos a controvérsias. Alguns avanços ocorreram ultimamente graças a contribuições oriundas de áreas como: exploração espacial, meteorítica, simulação numérica de processos dinâmicos, estudo de nuvens moleculares e de estrelas na fase pré-Sequência Principal. (MATSUURA, PICAZZIO, 2003, p. 134)

Na tentativa de entender o nosso Sistema Solar, e principalmente, de saber como ele foi formado, diversos modelos foram criados ao longo da história humana. Mesmo o modelo mais aceito recentemente, a teoria da Nebulosa Solar Primitiva (NSP), ainda não é totalmente suficiente para responder a todas as questões da formação do nosso sistema, mas graças às observações, podemos chegar as tão esperadas respostas.

Os astrônomos que pesquisam e estudam a formação das estrelas e das galáxias têm uma vantagem frente aos planetologistas, os astrônomos que estudam a formação dos planetas. Existem muitas observações de sóis e galáxias em todos os estágios de suas formações, porém, pelo menos até o momento, os planetologistas têm à sua disposição, somente as observações dos planetas acabados do nosso Sistema Solar. Essa desvantagem está prestes a ser superada, graças às observações de regiões ao redor de estrelas jovens, da detecção de inúmeros discos circunstelares e do número crescente de detecção de planetas extra-solares, os exoplanetas.

Apesar das observações feitas dos discos circunstelares explicar a formação possível do Sistema Solar, o mesmo não pode ser dito para os exoplanetas descobertos até o momento. A maioria desses planetas são massivos e suas órbitas são muito perto da suas estrelas, ou possuem uma órbita extremamente excêntrica. Assim, suas propriedades são ao contrário daquele dos planetas encontrados em nosso sistema.

Entretanto, a sequência de eventos desenvolvida para explicar os planetas do Sistema Solar, têm vários pontos divergentes – onde a evolução planetária poderia ter tomado um caminho diferente, mas que não resultaria em um sistema semelhante ao nosso. Não há dúvidas que as 1011 estrelas, em cada uma das 1011 galáxias do Universo, juntas, seguiram todos os caminhos evolutivos que são fisicamente possíveis, em uma incrível diversidade de diferentes sistemas planetários.

3. História dos Modelos

Desde os egípcios, passando pelos gregos, pelos povos indígenas brasileiros, até os dias atuais, todos pensam em modelos, ou teorias, que explicam a formação do nosso Sistema Solar, da formação dos corpos celestes nele existente. Muitos e muitos modelos foram formulados, e cada uma dessas teorias pretendia resolver o problema da formação do nosso sistema, bem como dos demais sistemas planetários existentes no Universo, mas apesar de ser muitas, nenhuma dá conta de explicar de um modo rigoroso, que resista a uma discussão matemática mais cuidadosa.

Martins (2012), diz que um bom modelo deve dar conta de responder algumas questões, como:

a) o fato de que todos os planetas giram em torno do Sol em órbitas quase circulares, todos no mesmo sentido e quase em um plano;
b) a pequena rotação do Sol, comparada com o movimento dos planetas (ou seja, o momento angular do Sol é uma parte muito pequena do momento angular total do sistema);
c) os planetas mais próximos ao Sol, e seus satélites, rodam no mesmo sentido em que giram em torno do Sol, mas os mais distantes não obedecem a essa regra;
d) a composição e densidade dos planetas variam muito, bem como suas massas; os mais próximos do Sol (até Marte) são sólidos, de pequena massa e grande densidade; os seguintes possuem pequena densidade, mas grande massa, sendo, pelo menos em parte, gasosos.

Lissauer (1998) ainda fala que outras questões podem surgir:

What are the characteristics of planetary systems around stars other than the Sun? How many planets are typical? What are their masses and compositions? What are the orbital parameters of individual planets, and how are the paths of planets orbiting the same star related to one another?

A seguir, apresentaremos uma breve história dos principais modelos desenvolvidos para explicar a formação do nosso Sistema Solar.

3.1. O Modelo de Copérnico 

Por volta do ano de 280 a.C., o grego Aristarco de Samos (310 a.C.-230 a.C.), desenvolve uma teoria do sistema heliocêntrico, onde cada planeta realiza uma órbita circular ao redor do Sol, contrariando a ideia da Terra como centro do Universo.

No século 14, Nicolau Copérnico (1473-1543) aperfeiçoa essa ideia, ao dizer que os planetas orbitam o Sol e também fazem rotação ao redor do seu próprio eixo, devido a esfericidade dos mesmos. Ainda, as dimensões do Sistema Solar são minutos quando comparados com as distâncias das estrelas. Esse modelo Copernicano é publicado em 1543 no volume “De revolutionibus orbium coelestium libri” – Sobre as revoluções dos orbes celestes.

E se não fosse graças aos trabalhos científicos realizados por Galileu Galilei (1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1643-1727), esse modelo não teria prevalecido. Galileu, por ser a primeira pessoa a utilizar um telescópio refrator, realizou observações de um largo número de estrelas e planetas, confirmando as teorias de Copérnico. Kepler realiza experimentos empíricos e descobre as leis que levam seu nome. E Newton, que provê a prova matemática para o modelo de Copérnico, publicando, em 1642, no seu “Philosohiae Naturalis Principia Mathematica”, a lei universal da gravitação. Lei essa, que além de permitir que as leis de Kepler e os resultados de Galileu fossem explicados, forma a verdadeira base teórica do modelo Copernicano.

3.2. Modelo Baseado em Turbulência

Em meados do século XVII, René Descartes (1596-1650), é o primeiro a elaborar um modelo que tenta explicar cientificamente a existência do nosso Sistema Solar, bem como, o primeiro a introduzir a ideia de evolução. Em seu livro “Théorie des vortex“, publicado em 1644, Descartes diz que no Universo, que é preenchido de éter e matéria, existe um sistema de vórtices em movimento e de vários tamanhos. E são estes vórtices que teriam dado origem ao nosso sistema. Porém, este é um modelo apenas qualitativo e entre suas objeções, é que ele não favorece o plano elíptico existente, acabando por ser abandonado após as descobertas das leis de Newton. Entretanto, esses conceitos de fricção e turbulências introduzidos por Descartes, foram recentemente reconsiderados por diversos autores no século XX.

3.3. Teorias Catastróficas e das Marés

A primeira teoria catastrófica para formação do Sistema Solar, mas sem bases científicas, do naturalista Georges Louis Lecrec, conde de Buffon (1701-1788), sugeria que houve uma ejeção de material solar causada por uma colisão de um cometa com o Sol, há 70.000 anos. Naquela época, suponha-se que os cometas eram corpos com grande volume de massa, mas atualmente temos conhecimento de que estes corpos são os menores objetos do nosso sistema e que uma colisão com o Sol não seria capaz de ejetar matéria da estrela.

Esse modelo não veio a ser aceito, porém, mais tarde, em vista das objeções levantadas ao modelo nebular, as teorias catastróficas foram reexaminadas. Bickerton em 1880, Chamberlain em 1901, e Moulton em 1905, substituem o cometa de Buffon por outra estrela, e explicam a formação dos planetas pela arefação e condensação do material retirado do nosso Sol. A força gravitacional no momento do encontro extraiu um filamento de material solar e este então entrou em órbita ao redor do Sol, com considerável impulso angular.

A teoria das marés foi desenvolvida mais tarde por James Hopwood Jeans (1877-1946) e Harold Jeffreys (1891-1989), que analisaram numericamente os efeitos da interação entre duas estrelas. Outros autores, entretanto, observaram que essa condensação de um filamento substancial em uma larga massa planetária era difícil para explicar.

Diante dessas controvérsias, novos modelos foram propostos. Foi sugerido que o Sol originalmente fazia parte de um sistema binário e que os planetas foram formados a partir do segundo sol. Mais recentemente, Wolfson sugeriu que o encontro ocorrido entre o Sol e uma protoestrela, e o filamento da posterior condensação em planetas.

3.4. Teorias de Acreção 

Essa classe de modelos considerou a possibilidade do sol acumular material interestelar. Para evitar que esse material colapse no Sol, é necessária a possibilidade da existência de outra estrela nas proximidades. Esse arranjo possibilitou que os materiais interestelares se condensassem nos planetas.

Outra teoria é a dos modelos de Hannes Alfvén (1908-1995) e Gustaf Arrhenius (1922), onde se supõe que o Sol tenha encontrado duas nebulosas, sendo uma constituída de grãos não voláteis, dos quais os planetas internos foram formados, e a outra constituída de hidrogênio, que deu origem aos planetas gigantes. De acordo com Alfvén, as colisões entre partículas levariam à formação de jatos de material, a partir dos quais os planetas poderiam ter sido formados.

3.5. A teoria da Nebulosa (NSP)

O conceito da Nebulosa Solar Primitiva (NSP), da qual o Sol e o sistema de planetas nasceram, foi primeiramente proposto pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804) e posteriormente desenvolvida por Pierre Simon de Laplace (1749-1827).

Kant, em 1755, defende que o nosso sistema tenha-se formado a partir de uma nébula gasosa, da qual se condensaram em corpos que originariam o Sol e todos os planetas, girando todos na mesma direção.

Em 1796, Laplace, defende que a nébula giratória, teria começado a arrefecer e a se contrair, aumentando a velocidade de rotação, formando os anéis que se condensariam em planetas.

Porém, a teoria original da nebulosa tinha um problema, pois não estava de acordo com as leis fundamentais da física, dado que o Sol, quando submetido a tal força gravitacional, iria girar cada vez mais rápido à medida que seu volume fosse diminuído, ou seja, a sua velocidade de rotação teria que ser superior à atual.

A teoria da Nebulosa precisou ser atualizada e agora está mais de acordo com as características gerais no nosso sistema:

Os planetas seriam subprodutos da formação do Sol, e todo o Sistema Solar teria se formado de matéria interestelar. Corroboram esta proposta a semelhança das abundâncias relativa de elementos químicos (deutério, hidrogênio, lítio, silício e ferro) dos planetas e do meio interestelar e as idades do Sol e dos planetas confirmadas pela datação dos meteoritos condríticos. As abundâncias relativas menores de deutério e lítio do Sol podem ser explicadas através da destruição pelas reações termonucleares. (MATSUURA, PICAZZIO, 2003, p. 134)

O Sistema Solar começa com a formação de uma nuvem enriquecida com elementos pesados, fria e de dimensões muito grandes, constituída por gases e matéria interestelar, que através da condensação dessa matéria, o seu núcleo vai aquecendo gradualmente e a nuvem começa a rodar lentamente, chamada de nebulosa proto-sol.

De acordo com a lei de conservação do momento angular, a NSP inicia um processo de contração e a sua velocidade começa a aumentar, fazendo com que esta começasse a se achatar e com que muitas das partículas desta nebulosa se juntem no centro, formando o Sol.

Continuando o processo, as partículas que rodeavam o Sol vão se concentrando mais perto dele, onde as temperaturas são mais altas, o que leva a formação dos planetas telúricos (principalmente constituídos por materiais sólidos), e nas zonas mais afastadas do Sol, onde as temperaturas são mais baixas formam-se os planetas gasosos.

O conceito da NSP passa por refinamentos com o decorrer dos anos e é atualmente conhecida como o Modelo Padrão.

4. Considerações finais

Como podemos observar, muitos foram os modelos ou teorias desenvolvidos, onde cada qual pretendia ter respondido a grande questão: como o Sistema Solar foi formado?

É difícil imaginar alguma coisa que ainda não tenha sido sugerida ou tentada. Talvez não surja uma proposta totalmente nova, mas deve haver algum modo de modificar as hipóteses que já surgiram até hoje, e conseguir explicar pelo menos os fenômenos principais do sistema solar. E quem fizer isso terá dado um passo importantíssimo para nossa compreensão do universo. (MARTINS, 2012, p. 133)

Porém, nenhuma resiste a uma discussão mais cuidadosa, e, apesar de aparentemente terem fracassado, só nos mostra que o problema da formação é realmente muito complicado de ser respondida.

Mas, com os avanços tecnológicos e conforme nossos conhecimentos vão aumentando, um modelo ou teoria que responda satisfatoriamente a grande questão da formação pode estar próxima.

Marcelo Daudt
Artigo apresentado no Curso de Introdução à Astronomia Amadora
São Paulo – SP – Brasil
Maio 2018

Referências 

ENCRENAZ, Thérèse; BIBRING, Jean-Pierre; BLANC, Michel; BARUCCI, Maria Antonietta; ROQUES, Françoise; ZARKA, Philippe. The solar system. 3. ed. Berlin [u.a.] : : Springer-Verlag, 2004.

LISSAUER, Jack J. Formation of Planetary Systems. In: Solar system formation and evolution: proceedings from a meeting held at Rio de Janeiro, Brazil, 3-6 November 1997. San Francisco, Calif. : Astronomical Society of the Pacific, 1998.

MARTINS, Roberto de Andrade. O universo : teorias sobre sua origem e evolução. 2. Ed. São Paulo : Editora Livraria da Física, 2012.

MATSUURA, Oscar T.; PICAZZIO, Enos. O sistema solar. In: Astronomia : uma visão geral do universo. 2. Ed. São Paulo : Editora Universidade de São Paulo, 2003.

RIDPATH, Ian. Guia ilustrado Zahar astronomia. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2007.

SAGAN, Carl. Cosmos. 1. Ed. São Paulo : Companhia das Letras, 2017.

TYSON, Neil Degrasse. Astrofísica para apressados. 1. Ed. São Paulo : Planeta, 2017.


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